Filha de um professor universitário especialista em problemas de taquigrafia, ortografia e fonética, o ambiente familiar, uma casa que parece ter sido frequentada por Jacob Grimm, Humboldt e Varnhagen, há-de ter sido favorável a uma precoce sensibilidade cultural.
Fez os primeiros estudos num colégio de Berlim, sob a direcção do filólogo Eduardo Maetzner: A partir dos 16 anos, numa época em que os estudos superiores eram vedados ao sexo feminino, é como autodidacta, embora sob a orientação inicial de um romanista, o Prof. Carlos Goldbeck, que a sua formação se desenvolve. É ainda com Maetzner e Goldbeck que se inicia no estudo do árabe, do sânscrito, das línguas germânicas, eslavas e semíticas, do provençal e do castelhano; e do castelhano ao catalão e ao português. De tal forma que em 1868 já publicava comentários críticos a edições da Biblioteca Hispânica da editora Brockhaus, e em 1872 é nomeada intérprete oficial do Ministério do Interior para os assuntos peninsulares.
Data de 1872 a polémica desencadeada por Adolfo Coelho, Teófilo Braga e Joaquim de Vasconcelos a propósito da tradução portuguesa, por António Feliciano de Castilho, do Fausto de Goethe, na qual Joaquim de Vasconcelos «descobre graves deturpações decorrentes de uma utilização insuficiente das fontes, do desconhecimento total da obra de Goethe na sua densidade […], um atentado ao seu autor, uma verdadeira profanação» (cf. Maria Assunção Pinto Correia, O Essencial sobre Carolina Michaëlis de Vasconcelos). Carolina Michaëlis segue de perto a polémica e inicia a partir dela uma intensa correspondência com Joaquim de Vasconcelos, com o qual casa em 1876, fixando residência no Porto.
Convidada em 1911 a reger a cadeira de Literatura Alemã na Faculdade de Letras de Lisboa, foi, assim, a primeira professora universitária em Portugal, mas pediu transferência para Coimbra, onde leccionou até perto do fim da sua vida. No mesmo ano foi admitida como sócia da Academia das Ciências de Lisboa, apesar da oposição manifestada por Veiga Beirão, em nome de uma interpretação machista dos estatutos da Academia. Mas já desde 1893 era proclamada doutora honoris causa pela Unversidade de Friburgo, como o será em 1923 pela de Hamburgo, e em 1906 o rei D. Carlos confere-lhe o oficialato da Ordem de Santiago.
A partir de certa altura orientada especialmente para os assuntos românicos, Carolina Michaëlis acabou por centrar a maior parte dos seus estudos na cultura portuguesa, especialmente medieval e quinhentista, numa perspectiva preferencialmente filológica, de que as suas Lições de Filologia (1911-1912, 1912-1913, 1917-1918) são talvez a publicação mais significativa.
Sempre preocupada com os critérios de tradução praticados em Portugal, Castilho voltaria entretanto a ser alvo da sua mais acérrima crítica a propósito da tradução da obra de Shakespeare, como já o havia sido com o Fausto de Goethe. Também com Wilhelm Storck, autor de uma biografia e de uma edição das Rimas de Camões, C. M. mantém regular correspondência, com ele tendo colaborado, tanto através de minuciosos comentários críticos ou correcções como com informações históricas tendentes a uma discussão e anotação de tudo aquilo que pudesse contribuir para uma clarificação do problema dos apócrifos camonianos.
Apontou as alterações e erros presentes nas edições de Soropita, Faria e Sousa, Juromenha e Teófilo Braga, «guiada sempre por uma preocupação única – expurgar o texto camoniano de todas as deturpações que editores menos cuidadosos e o volver dos tempos lhe foram agregando, e atribuir a Camões aquilo que ao seu génio pertencia» (cf. M. A. Pinto Correia, op. cit.). No mesmo sentido vão os seus trabalhos sobre o Cancioneiro Fernandes Tomás, em cujo manuscrito de 329 composições – Flores Várias de Autores Lusitanos – procura ao longo de vinte anos identificar e anotar as que pertencem a Camões e as que atribui a outros autores portugueses, alguns anónimos; e o estudo do Cancioneiro do Padre Pedro Ribeiro (1557), com o qual se empenha em reabilitar a fama de Diogo Bernardes, «o mais bem e mais camonianamente dotado de todos os bucolistas e sonetistas do seu tempo» e que por isso foi por mais de dois séculos acusado de plagiar Camões. O mesmo quanto a Rodrigues Lobo, Álvares do Oriente e Pedro de Andrade Caminha.
Gil Vicente, Sá de Miranda, Cristóvão Falcão e Bernardim Ribeiro sobressaem também de entre os autores quinhentistas a quem C. M. dedicou particular atenção, ora com a preparação de edições críticas, ora com estudos comparativos tendentes à identificação de relações entre eles.
Quanto à nossa literatura medieval, deve destacar-se a edição crítica e comentada do Cancioneiro da Ajuda (Halle, 1904), para cujas notas se socorre frequentemente da citação de estudos de outros filólogos seus amigos, como Wolf, Diez, Gaston Paris, Menéndez y Pelayo e Teófilo Braga. Em colaboração com este, e apesar das reservas que tinha em relação aos seus trabalhos, publicou uma história da literatura portuguesa até 1892: «Geschichte der Portugiesischen Literatur», in Grundriss der Romanischen Philologie (Trübner, Estrasburgo, 1897).
De par com essa espécie de vício da investigação folológica, uma outra motivação parece ter presidido entretanto à orientação que C. M. lhe conferiu: o reconhecimento de uma individualidade psicológica dos Portugueses, aquilo a que ela chama «um sentimentalismo brando e bucólico» a justificar uma lírica de tom predominantemente melancólico. Daí o seu estudo sobre A Saudade Portuguesa (1914) e a busca de tal identidade não só na nossa poesia trovadoresca como também nos romances de cavalaria, na historiografia quinhentista, no Camões das Rimas e no dos Lusíadas. E a «falta de amor dos Portugueses por datas, ou pela exactidão em minúcias», o «enormíssimo desinteresse dos Portugueses pelo seu património, fama e bom nome», são para ela «o reverso triste do [seu, deles] talento poético, da sua riqueza natural, do seu cosmopolitismo caloroso e tolerante».
Uma monografia sobre púcaros e a incursão pela recolha do adagiário popular português completam de algum modo a curiosidade filológica desta lusófila de origem alemã, que também não foi indiferente aos movimentos feministas (tendo da sua colaboração no Handbuch der Frauenbewegung – Manual do Movimento Feminista – sido traduzidos excertos em números do Primeiro de Janeiro de Setembro de 1902) e às questões do ensino, já que é fundamentalmente como um problema de instrução que C. M. encara a situação da mulher na Península Ibérica e na sociedade portuguesa em particular.
Contam-se entre as muitas publicações periódicas estrangeiras e portuguesas em que colaborou as seguintes: Zeitschrift für romanische Philologie, Deutsche Literatur-Zeitung, Magazin für die Literatur des Auslandes, Cultura Española, Revista Lusitana, Boletim da Academia das Ciências de Lisboa, Boletim Bibliográfico da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Lusitânia, A Águia, etc. Na revista Lusitânia, sob o título «In Memoriam de D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos», Outubro de 1927, foi publicada por Gerhard Moldenhauer, em colaboração com a própria C. M., uma bibliografia completa da sua obra, mais tarde actualizada na Miscelânea de Estudos em Honra de D. Carolina Michaëlis, 1933.









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