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Não é impassível a personalidade de Gomes Leal, e um profundo anticlericalismo associado à simpatia pelos ideais republicanos hão-de inspirar as suas obras subsequentes. Cabem aí a publicação do poema em 4 cantos e oitava rima A Fome de Camões – com o qual, associando-se às comemorações do bicentenário da morte de Camões, G. L. projecta na sua imagem uma solidão e abandono já previstos, como, aliás, fará também em A Traição, que em 1881 o leva à prisão. «Num azorrague sempre pronto a rasgar a carne dos reis, dos padres, da Igreja, da tradição, das instituições, de tudo quanto se lhe afigura comprometer a missão Racional, Justa e Liberal a que a poesia estava destinada de Victor Hugo para cá» (cf. J. Gaspar Simões, História da Poesia Portuguesa do Século XX), este percurso de combate e protesto culminará em 1900 com Fim de Um Mundo (Sátiras Modernas).

Mas, se a atitude filosófica de G. L. é inequivocamente a do racionalismo positivista, se essa atitude é movida por uma ética de preocupações sociais, e se entretanto defende o primado da poesia naturalista, o Anticristo, nas suas duas versões, acrescentando-se à segunda as Teses Selvagens, e A Mulher de Luto denotam um claro pendor negativista, repassado de um visionarismo de inspiração ocultista. Esta evolução há-de ter relação com a própria decadência moral e física do poeta (que os seus biógrafos tendem, entretanto, a associar à morte da mãe, a quem o ligavam laços de estreita dependência), à consciência da qual não será certamente estranha a crise religiosa que lhe determina a necessidade de conversão ao catolicismo, em 1910. Mas, de algum modo, o visionarismo de Gomes Leal já o era antes mesmo de o «poeta do sonho e do mistério» assim a si mesmo se nomear: o «poeta do sonho e do mistério» é que se desdobrou no «poeta místico» e já antes se convulsionara no «poeta popular e de combate» (cf. J. Gaspar Simões, História da Poesia Portuguesa do Século XX).

«Caricatura de toda uma geração obrigada pela sua impotência no campo da acção social a refugiar-se no paraíso mágico e gratuito do verbo» (António José Saraiva, História Ilustrada das Grandes Literaturas – Literatura Portuguesa), se Gomes Leal foi «quem, descontando talvez Gonçalves Crespo, melhor reflectiu a influência parnasiana» (ibid.), foi também «quem mais intimamente […] assimilou o estilo de Baudelaire» e quem, «como ninguém, recolheu nos seus versos toques de simbolismo verlainiano» (ibid.).

A partir de 1916 subsiste precariamente com uma pensão anual do Parlamento de 600$00 naquele que foi para Vitorino Nemésio «além do grande poeta que em muitos momentos foi, um dos mais extraordinários estilistas do verso português e o verdadeiro criador da poesia moderna em Portugal» (cf. «Introdução» a Poesias Escolhidas de G. L., 1942).

[A Assírio & Alvim tem vindo a publicar as Obras Completas de Gomes Leal, em edição literária de José Carlos Seabra Pereira, ao abrigo do programa «Obras Clássicas da Literatura Portuguesa» da DGLB.
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